Sofreu ofensa na internet? Saiba identificar o crime e proteger suas provas

Na coluna Direito e Tecnologia, a advogada criminalista Jéssica Lopes explica as diferenças entre calúnia, difamação e injúria e orienta sobre como agir diante de ataques nas redes

Imagem ilustrativa. Reprodução / Internet 

Direito e Tecnologia, por Jéssica Lopes

Hoje, uma frase postada no impulso pode virar um problema enorme. Às vezes começa com um comentário em rede social, um story com indireta, uma publicação “expondo”, ou um texto em grupo. Em poucos minutos, aquilo circula, alguém printa, compartilha, manda para outras pessoas, e o estrago está feito.

E aí vem a pergunta que eu ouço com frequência: “Dra., isso é crime?” Pode ser, sim. Mas depende do que foi dito.

No Direito Penal, esses casos geralmente se encaixam em três situações: calúnia, difamação e injúria. Parecem iguais, mas são diferentes — e entender isso ajuda a tomar a decisão certa e reunir prova do jeito correto.

Quando a postagem vira problema: um exemplo bem comum

Imagine alguém publicando (ou comentando) em uma rede social:
“Cuidado com a Fulana, ela roubou aqui no bairro.”
“O Beltrano é caloteiro, não paga ninguém.”
“Essa mulher é uma vagabunda, não presta.”


Apesar de parecer “coisa de internet”, essas frases podem configurar crimes diferentes.

1) Calúnia: quando te acusam de um crime

Calúnia acontece quando alguém te acusa de ter cometido um crime, mesmo sem citar lei ou escrever a palavra “crime”.

Exemplos:
“Ela roubou dinheiro.”
“Ele agrediu a esposa.”
“Fulano furtou encomenda.”
“Ciclano trafica.”


A lógica aqui é simples: se a pessoa te coloca como autor(a) de algo criminoso, pode ser calúnia.

2) Difamação: quando espalham algo que mancha sua reputação

Difamação é quando alguém divulga um fato que atinge sua reputação, “queima seu nome”, mas não necessariamente é crime.

Exemplos:
“Ele é caloteiro.”
“Ela é desonesta, passa a perna nos outros.”
“Não confiem nele, é mau-caráter.”
“Ninguém deveria contratar essa pessoa.”


É o tipo de fala que gera rótulo, julgamento público e prejuízo real — principalmente quando vira corrente.

3) Injúria: quando a ofensa é direta (xingamento, humilhação)

Injúria é a ofensa direta, o ataque à dignidade, geralmente com xingamentos e humilhação.

Exemplos:
“Você é um lixo.”
“Inútil, ridícula, nojenta.”
“Vagabunda, sem vergonha.”


Aqui não é sobre um fato específico, e sim sobre diminuir e atacar a pessoa.

Observação: quando a ofensa envolve aspectos como raça/cor/etnia, religião, origem ou outras situações específicas, o enquadramento pode mudar e a gravidade costuma ser maior. Cada caso precisa ser analisado com cuidado.

“Mas foi só na internet… isso dá em alguma coisa?”

Sim. Internet também é prova. O que muita gente não entende é que, mesmo que a postagem seja apagada, ela pode já ter sido: printada, compartilhada, salva por alguém, encaminhada em outros lugares, comentada por terceiros (o que amplia a exposição).

E o que faz diferença, na prática, é como você registra e preserva isso.

Dicas práticas: o que fazer se acontecer com você

1) Registre as provas do jeito certo
Faça prints completos com nome do perfil, @, data/hora, conteúdo e comentários relevantes.
Se for vídeo/story: grave a tela e mostre o perfil junto.

2) Guarde o link e o perfil
Salve o link da postagem, do comentário e do perfil.
Tire print do perfil (para identificar caso troquem nome/usuário depois).

3) Faça um vídeo da tela
Vídeo rolando a página ajuda a mostrar contexto e reduz discussões do tipo “print editado” ou “tiraram do contexto”.

4) Registre Boletim de Ocorrência (B.O.)

Em muitos casos, registrar o B.O. é um passo importante para formalizar o fato.
Leve as provas e descreva de forma objetiva: quem publicou, onde (qual rede, qual perfil), quando (data/horário), o que foi dito (as frases principais).

O B.O. não “resolve sozinho”, mas cria um registro oficial e pode ser essencial para o andamento do caso.

5) Evite responder no impulso

Bater boca pode virar “troca” de ofensas e complicar sua situação. Primeiro salve tudo. Depois, com calma, avalie a melhor estratégia.

6) Se for grave, aja rápido

Ameaça, perseguição, exposição de dados, ataques repetidos, difamação em massa: isso não é “drama”. Quanto antes você agir, melhor.

7) Em alguns casos, dá para fortalecer a prova

Dependendo da situação, pode ser útil fazer ata notarial (cartório). Não é obrigatório em todo caso, mas pode reforçar bastante quando há grande exposição.

Para fixar:
Calúnia: te acusaram de crime.
Difamação: espalharam algo que mancha sua reputação.
Injúria: te ofenderam diretamente.

A internet acelera tudo: a ofensa viraliza, a pessoa é julgada sem defesa, e o prejuízo vem rápido — emocional, familiar e até profissional. Por isso, se você for vítima, a melhor postura é: documentar com cuidado, registrar B.O. quando cabível e buscar orientação para escolher a medida correta.

Na prática, prova bem-feita e ação no tempo certo são o que diferenciam “uma injustiça que ficou por isso mesmo” de uma responsabilização efetiva de quem ultrapassou o limite.



 

 

 

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