A advogada criminalista Jéssica Lopes explica os 4 principais truques dos golpistas e o que fazer para proteger seu dinheiro, sua voz e sua família
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| Imagem feita com IA |
Por Jéssica Lopes
1. O novo inimigo oculto
Olá, leitores! É uma alegria estrear esta coluna e poder falar de um assunto que afeta a segurança de todos nós. Se antes o crime organizado estava na rua, hoje, ele está na palma da nossa mão.
A tecnologia, que trouxe a maravilha e a agilidade do PIX e a comunicação instantânea do WhatsApp, também abriu uma porta para um tipo de criminoso silencioso e muito mais perigoso: o golpista digital.
Não estamos mais falando apenas de mensagens com erros de português. A criminalidade se modernizou, e o grande divisor de águas é a Inteligência Artificial (IA). Os criminosos estão usando a IA para criar fraudes tão convincentes que conseguem anular a nossa desconfiança instintiva.
Como criminalista, meu objetivo aqui é descomplicar a lei e, principalmente, empoderar você com o conhecimento de defesa. Este artigo é o seu manual para entender os golpes mais usados e, crucialmente, como proteger seu dinheiro, sua voz e sua família dessas novas ameaças.
2. Os golpes clássicos (e mais comuns) – A base da fraude
Antes de falarmos da sofisticação da IA, é fundamental conhecer os dois golpes mais populares. Eles são o ponto de partida do criminoso e, em muitos casos, já causam um enorme prejuízo.
🚨 A isca da urgência: O golpe do "novo número"
Este é o golpe mais replicado. O golpista adquire um novo chip, coloca a foto de um familiar ou amigo seu (que ele pega facilmente nas redes sociais) e envia uma mensagem dizendo ter trocado de número.
A abordagem: o criminoso cria uma falsa urgência: "Meu celular quebrou/fui roubado", "Preciso pagar uma conta agora e meu app bloqueou", "Consegue fazer um PIX rapidinho?".
O objetivo: Fazer você transferir o dinheiro imediatamente, sem pensar.
A defesa imediata (regra de ouro): LIGUE! Não confie na mensagem. Pare, respire e ligue para o número antigo do seu familiar (ou para a linha fixa dele). Se a pessoa atender, o golpe acaba. Se você não conseguir ligar, envie uma pergunta que só o seu familiar saberia responder: "Qual o nome da nossa tia-avó de Minas?", por exemplo.
📱 O sequestro do WhatsApp (e a falta de cuidado)
Este golpe é perigoso porque o criminoso passa a usar o seu número para pedir dinheiro a todos os seus contatos, gerando prejuízo a terceiros em seu nome.
A abordagem: Você recebe uma ligação ou mensagem de alguém fingindo ser uma empresa (banco, cartão, pesquisa, loja) e pedindo para você digitar um código de SMS que acabou de chegar. Eles dirão que o código é para "confirmar um cadastro" ou "validar uma compra".
A fraude: O código de SMS é, na verdade, o código de verificação do WhatsApp. Ao fornecê-lo, você está dando ao criminoso a chave para entrar na sua conta e expulsar você dela.
A defesa imediata e preventiva: NUNCA compartilhe códigos de SMS. E o mais importante: ATIVE a Verificação em Duas Etapas do WhatsApp. Este PIN de 6 dígitos é a sua principal muralha de defesa e impede que, mesmo com o código de SMS, o criminoso consiga entrar na sua conta.
3. Ameaça 2.0: O golpista usa Inteligência Artificial (IA)
Se os golpes clássicos dependiam da nossa desatenção, os novos dependem da nossa emoção e da nossa confiança. A Inteligência Artificial deu aos criminosos ferramentas para replicar a voz e a imagem de qualquer pessoa, criando fraudes que anulam a nossa principal defesa: a desconfiança.
🔊 O golpe da clonagem de voz ("Vishing" com IA)
Este é o golpe mais chocante. O criminoso não precisa mais escrever. Ele usa softwares de IA que exigem apenas alguns segundos de áudio seu (pegos de vídeos de redes sociais, mensagens antigas de WhatsApp ou até de um phishing rápido) para recriar, com fidelidade impressionante, a voz de um familiar.
A abordagem: Você recebe uma ligação ou um áudio de voz idêntico ao do seu filho, cônjuge ou chefe. O teor é sempre o mesmo: uma emergência grave, um sequestro, um acidente, ou um pagamento urgente sob ameaça.
O perigo: A fraude é tão bem-feita que a vítima ignora a lógica e se rende ao pânico. O PIX é feito imediatamente, em nome da segurança emocional do ente querido.
A defesa imediata (reforçando): Contra o áudio, use o "código secreto familiar" que discutimos. Se o interlocutor não puder ou se recusar a dizer a frase combinada, NÃO é seu familiar. Desligue, tente contato pelo número conhecido e ligue para a polícia.
📹 O golpe da imagem falsa ("Deepfake")
Embora ainda menos comum do que a clonagem de voz, o deepfake (vídeos falsos criados por IA) é a próxima grande ameaça, especialmente em aplicativos com função de vídeo.
A abordagem: O golpista pode criar uma breve chamada de vídeo de um "familiar" em uma emergência, usando um vídeo falso para validar a urgência. Eles alegam que a conexão está ruim, a imagem está travando, mas o rosto é inconfundível.
O perigo: O uso da imagem elimina a dúvida. O criminoso sabe que a pessoa, vendo o rosto, transfere o dinheiro.
A defesa imediata (dica prática): Peça para a pessoa fazer um movimento complexo e imediato que um deepfake amador tem dificuldade em replicar em tempo real (ex.: "Pisque o olho esquerdo três vezes rápido", "Passe a mão na testa").
Se o vídeo for pré-gravado ou falso, haverá uma falha perceptível na sincronia. Em caso de dúvida, NÃO continue a chamada! Desligue e tente contato imediatamente por um canal SECUNDÁRIO e confiável (o telefone fixo, o número de WhatsApp já salvo etc.).
4. 🛡️ O manual de defesa: 5 passos práticos
A melhor defesa é a prevenção. Para evitar cair em qualquer armadilha digital – seja um golpe clássico ou um deepfake de IA, incorpore estas cinco práticas no seu dia a dia.
4. 🛡️ O manual de defesa: 5 passos práticos
A melhor defesa é a prevenção. Para evitar cair em qualquer armadilha digital – seja um golpe clássico ou um deepfake de IA, incorpore estas cinco práticas no seu dia a dia.
Crie sua "Senha Secreta Familiar": Combine imediatamente uma palavra ou frase com seus familiares mais próximos (mãe, pai, filhos). Esta senha deve ser pessoal e intransferível. Se alguém pedir dinheiro ou alegar urgência por mensagem ou áudio, peça a senha. Sem a resposta correta, a conversa termina imediatamente.
Verificação em duas etapas é obrigatória: Não negligencie este recurso. O PIN de 6 dígitos da Verificação em Duas Etapas do WhatsApp é a sua principal muralha de defesa contra o sequestro de conta. Habilite-o hoje mesmo e faça o mesmo em seus e-mails e redes sociais.
Desconfie da urgência e da emoção: Lembre-se: o golpista sempre usa a pressa e a emoção ("preciso pagar agora", "estou correndo risco") para que você não pense. Nenhum PIX deve ser feito sob pressão. Pare. Respire. Use seu Manual de Defesa.
Verifique a chave PIX antes de concluir: O aplicativo do banco sempre mostra o nome completo e o CPF/CNPJ do destinatário antes de confirmar a transferência. Se a chave PIX do seu "filho" está vinculada a um nome que você desconhece ou a um CNPJ de outro estado, NÃO transfira. O erro está ali, explícito na sua tela.
Configure a privacidade da sua foto: Restrinja nas configurações do WhatsApp quem pode ver sua foto de perfil (escolha "Apenas Meus Contatos"). Isso impede que sua imagem seja usada pelo criminoso para aplicar o golpe do "novo número" em outras pessoas, usando a sua identidade.
5. O que fazer se cair no golpe
Infelizmente, mesmo com toda a prevenção, as fraudes acontecem. Se você ou alguém que você conhece foi vítima de um golpe via PIX, a rapidez da ação é o que determinará a chance de reaver o dinheiro.
Ação Imediata (O MED): Entre em contato com seu banco IMEDIATAMENTE – por telefone ou pelo aplicativo – e informe que foi vítima de um golpe. Peça para o banco acionar o Mecanismo Especial de Devolução (MED) do PIX. Este mecanismo permite que os bancos tentem bloquear o valor na conta do golpista, permitindo a devolução se o dinheiro ainda estiver lá. A notificação deve ser o mais rápida possível.
O papel do BO: Em seguida, faça um Boletim de Ocorrência (BO), que pode ser feito online. Detalhe o máximo de informações (número de telefone do golpista, chave PIX usada, áudios e conversas). O BO não apenas inicia a investigação policial, como também é um documento crucial para comprovar a fraude junto ao seu banco e buscar o ressarcimento legal.
