Avanço de inteligências artificiais põe em risco humanidade e democracias | O Olho do Furacão

Wil Delarte: “Com as IA´s em curso, e em constante desenvolvimento, passaremos a viver cada vez mais a vida consequente de seu uso, talvez sem o poder de decisão sobre nosso próprio futuro”

Foto: Depositphotos

Por Wil Delarte*

Há algum tempo as inteligências artificiais (IA) já fazem parte da nossa vida, e foi sua aplicação nas redes sociais e em ferramentas como o ChatGPT, associado ao uso dos tais “algoritmos”, que tem causado uma grande virada de chave na sociedade e que, agora, se coloca como verdadeiro divisor de águas na história das tecnologias e da própria humanidade.

O algoritmo é o conjunto de regras e comandos que um programa de computador possui para executar suas funções. Em regra, o algoritmo se veste de “bot” (abreviação de “robot”/robô) para efetivar tais execuções.

Acontece que o algoritmo, assim como os seres vivos, é mutante e evolui. Em ferramentas como o ChatGPT, ou nas próprias redes sociais, ele tem a capacidade de se aperfeiçoar com nossos hábitos a cada novo dado captado ou inserido e, assim, estruturam e modelam as próprias redes. Como resultado, na ponta, podem regular nossos hábitos, desejos e comportamentos.

Ou seja, eles aprendem com a gente, aprendem à medida em que nos conhecem e absorvem nossos dados. Nós os treinamos e damos a eles todo o conhecimento histórico humano compilado em banco de dados e/ou disponíveis na internet.

Dito isso, imaginem agora o poder político e econômico que tem quem os controlam efetivamente, o que pode estar nas mãos das grandes “big techs”, como a Meta, Google ou Microsoft, por exemplo.

DILEMA

Com as IA´s em curso, e em constante desenvolvimento, passaremos a viver cada vez mais a vida consequente de seu uso, talvez sem o poder de decisão sobre nosso próprio futuro e ações em rede, e, o pior, cada vez mais destituídos de autonomia, liberdade de imaginação, de criação, ou de manipular minimamente nossos símbolos existenciais e sociais.

A essa impossibilidade de executarmos plenamente nossa faculdade humana, é o que estão chamando de “fim da humanidade”, no caso, fim da humanidade tal qual a conhecemos até aqui. O Homem tornando-se cada vez mais um "bot" de execução do algoritmo, a caminho de se tornar ciborgue (organismos dotados de partes orgânicas e cibernéticas), entre outras distopias que batem à nossa porta.

Diante desse dilema, surge um maior, e que deveria ser o mais importante: a discussão e decisão coletiva sobre o uso e a regulamentação das IA´s.

Vejam bem, toda a humanidade criou as matérias-primas de conhecimento das inteligências artificiais, os insumos que as alimentam, não foram os acionistas de meia dúzia de empresas. Por isso, não seria mais lógico termos conselhos mundiais com todo tipo de acadêmicos, cientistas, intelectuais, líderes sociais, políticos, artistas, nessa discussão e decisão que afetará o nosso destino como espécie?

Esse é o ponto.

Ponto tão crucial quanto a discussão da “renda universal”, necessária à boa parte da humanidade que não tem e cada vez mais terá menos empregos disponíveis.

Ponto tão crucial quanto a discussão da redução de jornada de trabalho com manutenção dos salários bases.

Ponto tão crucial quanto a discussão da necessidade de um novo regime global que enxergue o mundo como um só, que recolha o lucro cada vez mais concentrado em meia dúzia de corporações, que já nem possuem identidade geográfica, e reparta essa riqueza com todo o planeta, e em especial, com os países periféricos.

Sem essas discussões, sem encararmos esses dilemas, o nosso futuro será tão somente a destruição de direitos, de empregos, da dignidade, exponencialmente pior a cada mês e ano. É contra esse horizonte que o intelectual e historiador israelense Yuval Harari, por exemplo, grita nesse momento.

SENSACIONALISMO

Contudo, diante da enxurrada de informação e notícias sobre o tema, difícil hoje também é separar o que seja fato e informação real sobre as IA´s e o que é puro sensacionalismo movido por interesses diversos, inclusive likes.

Não é de hoje que uma mudança tecnológica ativa na nossa sociedade pensamentos catastróficos e apocalípticos. Nos anos 60, por exemplo, com a corrida espacial na “Guerra Fria”, a febre de terapias movidas por “deuses-astronautas” era grande. Uma indústria do charlatanismo sempre se apropria dos nossos medos frente aos avanços tecnológicos mais expressivos.

A questão é: nunca sabemos ao certo o quanto estão nos usando, e usando nossos medos para ganharem mais dinheiro sobre uma suposta tecnologia que mudará nossas vidas, e o quanto uma nova tecnologia realmente está mudando algo, ou qual a dimensão de relevância que podemos dar a essa mudança.

Fato é que o surgimento de IA´s como as utilizadas pelo “ChatGPT”, e afins, tem causado um furor grande entre o mais alto escalão dos inventores das próprias tecnologias e a intelectualidade influenciadora no mundo, como Geoffrey Hinton, pioneiro na matéria das IA´s e que deixou o Google para nos alertar sobre os perigos delas acabarem com nossos empregos, entre outros alertas (VEJA AQUI) ou, como o Yuval Harari, que acusa as IA´s de ameaçarem os fundamentos da nossa sociedade, uma espécie de “morte cultural” do antigo homo sapiens.

CHATGPT E AFINS

Nada na nossa história tecnológica avançou tão rápido quanto a tecnologia de inteligência usada no ChatGPT e seus similares, intitulada “inteligência artificial generativa”, pela capacidade de criação que possui. Desde seu lançamento, em novembro de 2022, a cada mês, a cada nova versão, o avanço tem sido exponencial e absurdo.

Como já dito, o algoritmo aprende com nossos dados e comportamentos, e esse aprender é ilimitado e acontece cada vez mais rápido. Impossível dimensionar até onde ele pode ir.

Certo é que essa tecnologia já está apta a responder às provas mais difíceis de qualquer faculdade do mundo, por exemplo. Elas podem produzir textos em qualquer estilo proposto, criar vídeos, imagens, misturar realidade e invenção, e cada vez mais e melhor.

Enquanto técnicos e intelectuais pedem pausa no desenvolvimento dessas IA´s, até que cheguemos ao ponto de melhor compreender seu potencial e regulamentar seu uso, a tecnologia continua a avançar a passos largos, e por todo o mundo mais e mais pessoas são cooptadas em subempregos de treinamento das IA´s.

Sim, homo sapiens ficam por horas treinando também variadas IA´s para melhor calibrar seus algoritmos. Homens treinando máquinas que já estão muito à frente dos humanos em matéria de memória e manipulação de dados e informações.

FAKENEWS, REALIDADE E NOVA VERSÃO HUMANA

Se ainda não sabemos como lidar com a indústria das fakenews, usadas por correntes político-ideológicas pelo mundo afora e que, inclusive, elegeram diversos presidentes pelo mundo com as redes “menos calibradas” do whatsapp, facebook e sites jornalísticos falsos, imaginem o quanto ferramentas que se usam de som, voz, imagem e vídeo, que simulam e criam qualquer coisa, não serão capazes de fazer em nossas vidas daqui pra frente.

Nesse contexto, as IA´s serão simplesmente uma permanente ameaça às democracias.

Agora, imaginem também o quanto nós mesmos não poderemos nos viciar com essa nova “realidade” criada por robôs digitais. Ferramentas que melhoram nossa imagem, nosso texto, nossa voz, instaurando um outro nível de performance sobre a vida, e cada vez mais distante da vida que entendíamos por “analógica”.

Filtros inteligentes das câmeras de celulares não permitirão mais qualquer ruga e corrigirão automaticamente um sinal de nascença que julgar “desarmônico”. Barriguinhas saradas por bot´s, músculos fakes, sua imagem inserida em fundos falsos, viagens falsas, momentos falsos, e essa falsidade se tornando cada vez mais a realidade conhecida e vivida.

Uma geração nascida nessa “nova realidade” só a terá por base do real, e assim, muito rapidamente, de uma geração para a outra, a humanidade terá se tornada outra.

Terá se extinguida ou apenas aumentado as possibilidades de expressão da nossa mesma humanidade? Homo sapiens 2.0 ou o fim do homo sapiens? A chegada definitiva dos ciborgues em nossas vidas? Com isso estaremos também a um passo de extinguir a morte e chancelarmos, por fim, a eternidade da consciência humana em algum invólucro, chip, ou arquivo em nuvem?

As perguntas, medos e perspectivas que se abrem, são tantas que esse breve artigo não dá conta de mapear ou dimensionar. Com a chegada da tecnologia 5G, um novo patamar também se instaura agora, uma revolução nas conexões e velocidade nas redes. Novas possibilidades que trarão novas necessidades, portas que se abrem fechando antigas portas.

Outra revolução associada ao 5G, e que já é realidade, chamam de “internet das coisas”, que promete conectar todos os nossos utensílios e aparelhos domésticos à internet, aos nossos dados e tarefas. Agora, combina-se tudo isso à presença das IA´s radicalmente em nossas vidas.

Instigante ou apavorante?

É, meus amigos, do olho desse furacão vemos um mundo que escapa velozmente das nossas mãos, um mundo que pede novas soluções políticas, um mundo não necessariamente mais justo, solidário ou democrático.

Um mundo não necessariamente humano.


De poesia à ficção, Wil Delarte tem cinco livros autorais, além de publicações em diversas mídias e antologias. Também possui composições na área musical, com letras gravadas por artistas do Rock e da MPB. É idealizador do canal cultural Universos para Elos e escreve mensalmente a coluna 'O Olho do Furacão no Cotia e Cia'
Postagem Anterior Próxima Postagem