Crônica Envenenada #11: Planeta Melancolia

“A depressão, o estado depressivo, é sondar esse planeta crescendo, sem por que, sem razão... Não há remédio possível”. Leia mais uma Crônica Envenenada do poeta e escritor cotiano, Wil Delarte

Imagem: Filme 'Melancolia' - Lars Von Trier, 2011


Tem uma coisa no ar, você já deve ter visto. Não tem forma, tamanho ou cheiro, mas pesa.

Quando Laura chegou mais cedo naquele dia, algo estava fora de lugar. Ela mesma parecia estar em algum lugar fora daquele corpo que só pedia o fim de mais um dia. O que estaria ocorrendo?

Anos e anos dedicados ao magistério não foram capazes de trazer-lhe uma resposta ao inominável ofício de se lecionar nesse momento histórico em escolas públicas, diante de alunos que aparentemente se perderam também no caminho sombrio da exclusão e do desamparo. O que restou? Violência diária, por todos os lados, e o desânimo... Mas o que seria aquele pontinho brilhante na retina do olho de Laura? O companheiro ficou a olhar o mesmo horizonte cinza ao alto e foi capaz de senti-lo em toda a extensão, aproximando-se lentamente, um planeta.

Cabe dizer que estamos aqui diante de uma metáfora, a mesma que Lars von Trier, enigmático diretor de cinema, trouxe ao mundo com seu filme “Melancolia” no longínquo ano de 2011, mesmo ano que publiquei, em meu primeiro livro, um poema com o título “Ode ao Cansaço”. Longínquo... Ou alguém afirmaria que 2011 morreu nesse século? Mas, vamos lá, continuemos com outro personagem nosso, Pedro.

Pedro correu feito louco o dia todo. Pós-plantão, nem dormiu. E nem dá. Levar a pequena na escola, pegar os grandes, ajeitar compras, afazeres domésticos, e tapar as frestas do tempo com atividades diárias que só se acumulam, transbordando para o dia seguinte. Transbordando o dia para o dia seguinte.

O que foi, Pedro?, questionou a companheira enquanto ensaiava uma carícia preguiçosa de quem só precisava dormir. Pedro estava distante, inerte, olhos fixos à janela aberta e, no céu noturno, algo muito pesado parecia tombar lentamente. Ela pôde ver o pontinho brilhante crescer em sua retina, um planeta que caia.

O espaço dessa crônica é pequeno, não cabe entrar profundamente no vazio das noites de Jovelina, viúva sozinha, filhos distantes, um planeta esticado na poltrona da sala; não cabem os dias intensos de Fernando em sua louca produção cultural para ninguém. Um planeta em editais vazios. Não, não cabe.

No filme, o enorme globo que se aproxima simboliza o Fim, e o encontro efetivo com ele, para alguns, é libertador. A depressão, o estado depressivo, é sondar esse planeta crescendo, sem por que, sem razão... Não há remédio possível, Laura. Há? Não tem saída alguma, Pedro. Não? Vê o nada, Jovelina? Ou falamos desse buraco ou viveremos a sondar um horizonte cada vez menor, o planeta crescendo, crescendo, tomando por completo nosso campo de visão.

Mais dia, menos dia, desabará sobre nós.




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